Entrei num verdadeiro túnel do tempo, lembrando de tudo que esse segmento criou e viveu desde os anos 1990 até hoje. Mas quais foram os caminhos percorridos até aqui?
O que vemos em 2025 não é apenas o retorno de um gênero popular, mas sim a celebração da nossa brasilidade, da emoção coletiva e da autenticidade musical — elementos que inspiram e aquecem a alma.
Dois grandes pilares sustentam essa retomada. O primeiro é Thiaguinho e a celebração dos 10 anos do projeto Tardezinha. Um verdadeiro case de sucesso, em que a memória é ativada e celebrada, transformando o público em parte integrante do show e da história, reverenciando os artistas dos anos 1990 e 2000 que pavimentaram essa estrada até aqui e tbem mostrando talentos que até então não se destacavam na grande mídia , como fez com Billy SP e recentemente com o grupo Benzadeus! Algo que lembra demais a trajetória de absoluto sucesso do Sorriso Maroto , sempre à frente em matéria de gestão , repertório , feats, e talento não só de Bruno, mas também de todos que fazem parte do Sorriso, no palco e fora dele.
O segundo é o feito do grupo Menos é Mais — que, vindo de Brasília, fora do eixo Rio-São Paulo, já chamava atenção desde o início. Dominando a mídia digital, tornou-se símbolo do pagode nas redes e, consequentemente, das rodas de samba. A prova disso são os mais de 500 milhões de streams da música “Coração Partido”.
E isso é apenas a ponta do iceberg. Há o dia a dia do pagode: suas rodas de samba , shows, canções, artistas, compositores e músicos. Há também o aprendizado constante de quem vive esse universo — artistas, influenciadores, comunicadores e jornalistas, como eu — estudando diariamente o funcionamento do mainstream e das mídias digitais.
De tempos em tempos, alguém anuncia que o pagode “voltou”. Eu mesma disse isso numa das entrevistas que fiz com Thiaguinho. Ele, enfático, respondeu: “O pagode SEMPRE esteve aí !”. E eu concordo. É a mais pura verdade. Basta olhar para rodas de samba como Quintal dos Pretos, Poeira Pura, Pagode do Chinelo, Casa do Salgado, Pagode da 27 e tantas outras espalhadas pelo país. Movimentos potentes de aquilombamento, que criam espaços para uma comunidade que vem se organizando, revelando o orgulho em ser periférico e fortalecendo a resistência coletiva da população que resgata na roda de samba os saberes e memórias ancestrais e reafirmando a identidade negra como parte fundamental do sucesso do pagode desde sempre.
Afinal, as ações afirmativas também são parte importante do sucesso de pagode desde sempre.
Exemplos não faltam. O Pagode do Pericão é sucesso de público e crítica em todo o Brasil. No repertório, Péricles resgata clássicos — muitos deles hits regionais de São Paulo — e os apresenta a novas gerações e à outros estados do Brasil . Paralelamente, ele criou o programa Voz da Consciência, recebendo personalidades negras e mostrando como música e negritude caminham de mãos dadas.
E as regravações? É verdade que o pagode já foi criticado por depender demais delas. O próprio Menos é Mais sentiu isso na pele. Mas não dá para ignorar as novas composições que também brilham. “P de Pecado”, parceria do grupo com Simone Mendes, mostra um pagode que transita pelo pop. Algo que Dilsinho já faz com maestria há anos. Ferrugem é outro exemplo: além da técnica vocal impecável, ele é um dos que mais lançam músicas novas, criando novas memórias afetivas para o público.
Outro ponto crucial é a abertura para a comunidade LGBTQIA+, que hoje encontra um espaço seguro no pagode. Ludmilla, com seu Numanice, abriu portas e trouxe representatividade. Como me disse Gloria Groove em entrevista: essa tranquilidade de poder curtir pagode sem medo é revolucionária, tanto que lançou seu projeto Serenata da GG! Pronto! Mais mais uma porta aberta ??.
E precisamos falar também das mulheres no pagode. Finalmente temos mais representatividade feminina no segmento: Marvvila, Thaís Macedo, Samba de Rainha, Gica, Juliana Diniz, Malu, Karina, Ana Clara, Andressa Ayala, Gessy e tantas outras. Um movimento que me emociona profundamente como comunicadora. Sempre defendi essa presença.
Artistas de outros gêneros também abriram espaço para o samba e o pagode. Maria Rita fez isso com elegância e talento, atraindo novos públicos. Agora, ninguém menos que Ivete Sangalo chega com o projeto Clareou, dirigido por Boris Bass e com músicos de peso do samba, como Marcelo Lombardo Fábio e Flávio Miudinho entre outros. São conexões assim que explicam a força do segmento hoje.
De acordo com a Billboard Brasil, após sete anos de liderança sertaneja, o pagode deu a grande virada em 2025, tornando-se o gênero mais ouvido do país. Segundo a Pro Música Brasil, com análise da BMAT, 94% das 50 músicas mais tocadas são brasileiras. A música “Coração Partido”, do Menos é Mais, lidera com folga.
Só posso dizer que ainda tem muito por trás disso e ainda vem muito pela frente.
Posso contar alguns segredos desse sucesso? Simplicidade, rua e memória afetiva.Como disse o mestre Nelson Sargento: “O samba agoniza, mas não morre.” Gratidão Fátima Pissarra por mostrar que o pagode e o samba não apenas sobreviveu – ele reina nas ruas e no coração de todos nós.
Patricia Liberato é radialista, apresentadora, jornalista e mestre de cerimônias. Trabalhou nas rádios transcontinental FM ( SP), Band FM, Rádio Disney e criou a RÁDIO Liberato.